7 de setembro (Carta à mãe Brasil)
Quase dois séculos se foram
Quando outrora nasceste
De um rapto do monarca
Das mãos frias de tua mãe.
Tu, que nasceste tão prematura
Perdida em meio aos grandes
Por diversas vezes quiseste te encontrares
E não conseguiste.
Tu, que viste teus filhos alguns
Tomados de ti à força
Pela fome e pela desgraça.
Tu, que por diversas vezes foste estuprada
Foste molestada
E hoje, jovem adulta,
Preferes tapar teus olhos
Esconder teus traumas
Que hodierno, tu mesma,
Seduzida pelas tias do norte,
Abusada pelo primo mais velho,
Deixas que te furtem.
Deixas teus filhos na fome morrerem
Em meio ao enorme Plantation.
Pobre de ti,
Quer dizer,
Malditas tu sejas.
Que hoje, o que fazes
Para digerires teus cortes mais profundos
É abandonares.
Tu abortas teus filhos
Aqueles frutos do abuso
Enquanto amas teu abusador.
Não sei se és Geni
Ou se podes ser Leopoldina
Sei que hoje, tu abusas
Mas continuas abusada.
Parece-me, inclusive,
Como num jogo de terapia
Cujo paciente
Inconsciente de teus abusos
Amarga suas dores no mais fraco.
Nesta data, portanto,
Não vejo o que contigo muito comemorar
Senão o triunfo das desgraças.
Dizes-me seres mãe amada
Vejo-te furtiva, inquieta, fria.
Pois que prefiro a deserdação
Ao teu amor rancoroso, seletivo.
Eu, que homenagens mil a ti prestei
Hoje quero apenas teu berço esplêndido
Longe de mim.

Independência ou morte (O grito do Ipiranga). Pintura de Pedro Américo de Figueiredo e Mello. Óleo sobre tela. 1888. Museu Paulista.