Brasília (Chora a Pátria-mãe)
Andamos pela praça enorme e plana
Levando o nome das 3 Repúblicas
E escutamos, bem baixinho:
É o choro de Niemeyer
Desenhando monumentos modernos
Que hoje guardam aflitos
Poeiras turvas, débeis, retrógradas.
A estátua de Kubitscheck relembra
O sonho de uma nova nação
Hodierna, livre, grande.
Pois, agora, essa nação chora
Caminhando entre mortos e mortos,
Pedaços de seu ventre
abandonados por um mito
Que vocifera miséria
Propaga o caos, a alienação.
A nação também chora os golpes
Tidos sob tanta incompetência.
Ela soluça um passado esquecido
Não falado
De cálices vermelhos de sangue
E traumas incuráveis.
Quantas Marias,
Quantas Clarices
Ainda precisarão chorar
Para virem os ventos de Haia?
Como uma mãe desesperada, a pátria chora
Vendo, de longe,
Seus filhos asfixiados
Enlatados por uma roleta russa
De um inimigo invisível.
O Brasil grita Marielle
Pelas suas crianças torturadas
Assombradas e violentadas
Diariamente, “meio sem querer”.
Nem mesmo Elis,
visionária de tempos nunca findos,
poderia cantar tanto clamor
de artistas cujas nuvens continuam sim
chupando nuvens tão torturadas
ao longo desta praça Brasil.
Em verdade, vos digo,
A nação, quando acordar,
Terá de cobrar de cada mata-borrão
Que explique o sangue pelas salas
Que justifique o povo nas filas, vilas e favelas
Oprimidos pela própria sorte,
Que esclareça a inação, egoísmo
E que sejam condenados
Por sua bravia ignorância e violência
Ou, estúpida omissão e consentimento.
Só assim, imagino,
Passaremos pelas garoas
Curtindo, finalmente, numa boa,
As praças vívidas
De uma nova nação
Agora verdadeiramente sob as curvas de Niemeyer
Livre, justa
Bela e moderna.
