História para que Weintraubs entendam!
Há uma crendice por aí de que a história se tornou ideológica demais e que os historiadores não falam mais de uma história imparcial, apenas de uma história “ideologizada”. Essa seria uma ótima discussão para se fazer há uns 100 anos atrás, talvez seja essa a data do último texto de história que os Weintraubs chegaram a ler.
Ora, há um mundo não ideologizado? Há uma história que não possuí em si algum tipo de ideologia?
Houve uma época em que as pessoas acreditavam que a história narrava os fatos e, por isso mesmo, não havia uma questão
de “ponto de vista” ou de “ideologia”. Afinal, o papel do historiador era apenas encontrar os documentos e reproduzi-los, às vezes com alguma crítica. Esse era o princípio da ciência histórica. Bom, lá se foram mais de 150 anos de pesquisas e revoluções metodológicas dentro desse campo, seria possível afirmar que as bases teóricas-metodológicas da física se mantiveram as mesmas da antiguidade até hoje? Ou mesmo do século XVIII até o século XXI? Então como esperar que a história enquanto ciência permanecesse a mesma?
Os novos problemas epistemológicos, as novas possibilidades de investigação, a revolução documental, entre outros acontecimentos… nos levaram a uma nova idéia do que é a História e de como ela é feita. O que é o fato histórico? Tomemos como exemplo o movimento que ocorreu na frança entre 1789-1799, esse movimento ficou conhecido como a Revolução francesa, mas chamá-la de revolução já é uma atribuição de valor que passa por ideologia. Entretanto, nesse caso não há críticas sobre isso ser ou não o professor passando seu ponto de vista e suas vontades aos alunos. O leitor pode se perguntar o por que de chamá-la de revolução seria ideológico e eu poderia lhe perguntar o por que não chamar de motim? ou massacre? ou guerrilha? E a resposta é óbvia, pois ela não se encaixa em nenhum dos conceitos que nós, estudiosos da área, utilizamos para descrever determinados movimentos ao longo do tempo.
A criação dos conceitos também é ideológica, mas você imagina um mundo sem eles? Imagine que você tivesse que pedir a alguém para se sentar em uma cadeira, mas não há um consenso sobre o conceito de cadeira. O diálogo seria muito mais difícil e às vezes um mesmo termo poderia designar objetos completamente diferentes em diferentes lugares e culturas. Dessa forma, todo fato histórico vem atribuído de algum conceito que nos ajude a entendê-lo dentro de um fenômeno maior que nos dá um sentido para estudá-lo. Qual seria a utilidade de estudar um passado isolado e sem contato com a realidade em que vivemos?
Contudo, há também outras problemáticas, como por exemplo as informações que o passado nos deixa. Vamos fazer um exercício mental… Imagine o material produzido pela humanidade nesses últimos quatro mil anos, pense nas guerras, nos monumentos, livros, textos, imagens entre outras coisas. Agora me diga leitor, você acredita que temos acesso a toda essa riqueza de materiais? ou apenas vestígios e fragmentos? Pois bem, nós historiadores temos acesso sempre a uma parcela do passado. Aquilo que chamamos de fontes são vestígios do passado que chegam até nós, mas aqui temos outro problema: como chegaram até nós? Imagine agora que você é um grande imperador e acabou de conquistar um povo inimigo que milenarmente ataca sua civilização. Esse povo possui uma grande biblioteca que é o seu maior orgulho, mas lá há centenas de livros que descrevem sua civilização como rudes, agressivos, entre outros termos que não os agradam, o que você faria? Bom, se você respondeu que não faria nada - muito bem - nós historiadores ficaríamos muito felizes por isso. No entanto, a maioria dos imperadores antigos faziam questão de pilhar e queimar aquilo que não achavam “correto” de ser guardado.
Então, podemos concluir que todo material que chega até nós passa por uma seleção artificial. Logo, nunca houve ou haverá uma história imparcial ou neutra, pois mesmo que os historiadores apenas replicassem os documentos tal como eles chegaram até nós, estaríamos simplesmente naturalizando o ponto de vista de alguém ou de uma ideologia. Talvez essa seja a maior sacada dos historiadores, pois eles desnaturalizam as ideologias implícitas e explicitam as suas. Isso permite que o próprio leitor faça sua mediação sem um falso verniz de que aquilo que está sendo escrito é a verdade absoluta do fato e não há outras possibilidades. A história é e sempre será crítica, questionadora dos poderes, explicitando seu lugar e seus métodos. Ela não precisa esconder o que quer e onde quer chegar, pois possui fundamentos e metodologias suficientes para se provar. Agora, para aqueles que buscam um poder inquestionável, o melhor a se fazer é tentar deslegitimar os historiadores e a história, porque estes não irão se submeter jamais a esse projeto de poder.
