Utopia
Das dores
a maior que me atiça
é saber que teu fim
jamais verei
pois quando tornar a brilhar a vida
estarei eu já cego,
em utopia incerta.
Tu matas,
escondes a faca e te alucinas.
Não choras abrupta mais tais tormentos
senão lágrimas de clara falsidade.
Volta e meia crias o caos
e continuas a fazer-te virgem.
Não sei quando coragem surgirá
mas, em sua vinda, impiedosa a ti virá
que nem o padre abençoar-te-á
nem o juiz alcançar-te-á
e nem o banqueiro financiar-te-á
pois serás dos cadáveres o mais pútrido.
E então virá o Nordeste
finalmente a dançar o frevo
com a única seca, aquela das lágrimas
antes vindouras doutro lado do oceano.
Existirmos, a que será que se destina?
Pois ainda sinto em teu peito
fluir o sangue turvo
que constrói concretos abandonados
ao lado dos que o céu se ausenta
e ilumina bravia
a terra hoje povoada
por cegos famintos
rodeados de plantação.

John Martin, Belshazzar's Feast, c. 1821; presente na Yale Center for British Art.